by Luciana Brasil | |
Published on: Sep 25, 2008 | |
Topic: | |
Type: Interviews | |
https://www.tigweb.org/express/panorama/article.html?ContentID=22555 | |
Ana Adeve faz parte das Jovens Feministas de São Paulo e da Rede Jovens Brasil de Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos - No nível pessoal, você poderia dizer como você se envolveu com o feminismo e o que ele significa para você? Ana Adeve (AA): Eu comecei quando tinha quinze anos de idade, participando da união de estudantes da minha escola. Eu entrei em um grupo que discutia o Marxismo e fui convidada por um amigo a fazer um curso sobre o feminismo para mulheres jovens. A organização não era específica para jovens, mas tentamos formar um grupo de mulheres jovens. Eu gostei de feminismo desde o meu primeiro contato com o assunto. Os principais líderes do movimento estudantil eram homens e as mulheres sempre ficavam atrás. Meu primeiro livro sobre feminismo foi “O Segundo Sexo”, da Simone de Beauvoir, que mudou o conceito que eu tinha do mundo e da vida. O feminismo é minha vida. O feminismo é uma possibilidade de mudança – de criar novas relações entre homens e mulheres. Além do mais, o feminismo questiona o patriarcalismo e a misoginia e a estrutura da sociedade. Eu comecei quando os militares ocuparam os espaços políticos e ficou entendido que os homens eram mais valorizados do que as mulheres. A possibilidade de se pensar na transformação da sociedade pelo feminismo sempre fez com que eu seguisse adiante na luta. O feminismo é uma emancipação das mulheres e homens a procura de uma nova possibilidade de estrutura social. - Em que tipo de atividades você está envolvida atualmente? AA: Atualmente, estou envolvida com as seguintes organizações: - Jovens Feministas de São Paulo, coletiva feminista; - Sou uma das co-fundadoras da Coordenação Brasileira de Jovens Feministas e uma facilitadora da rede nacional; - Sou presidente da Associação Frida Kahlo, organização conjunta que integra vários movimentos jovens sobre a luta feminista; - Faço parte da equipe que coordena a REDLAC, Rede de Jovens Latino-Americanos e Caribenhos pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos. - Existe alguma ideologia por trás dos movimentos jovens feministas na América Latina? AA: Os jovens sempre estiveram presentes no movimento feminista. Muitas mulheres jovens lutaram pela criação de um projeto feminista e pela liberdade. No entanto, o termo “jovem feminista”, era algo que não existia antes. Em uma declaração durante o 8º Encontro Feminista da América Latina e Caribe, em 1999 na Republica Dominicana, surgiram alguns pensamentos sobre identidade política adquirida de experiências de diferentes gerações. Estas idéias estão atualizadas na política das jovens feministas. O feminismo é definido pela sua práxis e poder: - Existe a falta de abertura do movimento e de estratégias para atrair a participação de novos ativistas; - Existe uma hierarquia dentro do movimento que exclui outras mulheres “invisíveis”; - O “adulto-centrismo” é um sistema de poder que subordina mulheres jovens; - Existe uma divisão de trabalho onde algumas feministas escrevem, pensam e falam, enquanto outras, tiram Xerox, distribuem panfletos e formatam textos. De acordo com a declaração, isto está de acordo com as práticas patriarcais de fazer política que resulta no estabelecimento de hierarquias. Enquanto isso, a declaração diz que se eles reconhecem as lutas de gerações passadas. Mas que a geração atual vive em um mundo diferente marcado pela globalização, pelo neoliberalismo, avanços tecnológicos e novas tecnologias e que dentro das lutas feministas, as feministas devem incorporar esses aspectos da experiência com mulheres jovens. Enquanto começamos a construir o feminismo da América Latina, os jovens brasileiros também formam grupos para discutir o feminismo desde uma perspectiva geracional. A idéia era criar grupos que seriam espaço para o intercâmbio de experiências e conhecimento sobre teorias feministas e práticas. É importante notar que tanto no Brasil como na América Latina, nas décadas de 80 e 90, houve uma transformação na maneira de atuar e na organização de movimentos feministas e nas arenas sócio-culturais e políticas da América Latina. Muitas experiências de grupos de mulheres jovens que ocorreram no período dos anos 90 em ONGs, universidades, o cenário cultural, partidos políticos, etc. Mas somente no começo do ano 2000 que a identidade de jovens feministas começou a ser definida como ativismo prático. Neste período também, muitos grupos free-lance de jovens feministas surgiram pelo país, como: em São Paulo (Jovens Feministas de São Paulo), Minas Gerais (Mulheres Jovens Negras Ativas), Pernambuco (SOS Corpo), Paraíba (Jovens Feministas da Paraíba), e Ceará (Coletivo Feminista para Jovens do Ceará). No entanto, grupos de jovens feministas formados em 2000 não eram apenas reuniões e intercâmbios entre mulheres jovens. Elas também tinham demandas e reivindicações. As mulheres jovens discutiam o feminismo através de suas experiências sob o aspecto da construção de uma identidade política independente. Elas começaram a questionar o papel que ocupavam dentro do movimento feminista e a importância da autonomia e independência intelectual. As jovens começaram a promover ações, seminários, reuniões, atividades e a produzir conhecimento. O grupo de Jovens Feministas de São Paulo foi fundado em 2003 com a demanda vinda de mulheres que se encontraram na União de Mulheres de São Paulo. A intenção era criar uma coletiva própria que refletisse especificidades e demandas dos jovens. Este trabalho contribuiu para o surgimento de outros grupos feministas no Brasil. As discussões chave estão focadas na idéia de uma identidade feminista visível no cenário político brasileiro e também em espaços do movimento feminista. Os primeiros passos foram construir pensamentos feministas, ações e metodologias para trabalhar com mulheres jovens. No começo, a inclusão do movimento feminista foi difícil. O fato de que jovens ativistas se autodenominavam feministas foi um pouco controverso. As discussões dos grupos de jovens feministas não eram baseadas no feminismo da igualdade, tampouco baseado na concepção de que existe uma mulher universal que representa a todas as mulheres. Acredita-se, em contraste, que cada época, grupo e espaço devem remodelar a concepção da mulher – e nossa diversidade enriquece a prática e a política. É importante que a gente reflita sobre a variedade e diferença das feministas e de seus projetos de transformação social, porque a diversidade permite que você especifique as lutas e crie alianças entre grupos distintos. - O feminismo de jovens da América Latina é claramente muito forte e ativo. Por que você acha que é assim e como foi alcançado? Você poderia citar alguns exemplos de sucesso de organizações de jovens feministas? AA: Eu acredito que o feminismo jovem na América Latina é forte porque trabalhamos com a diversidade e questionamos a lógica da hierarquia desenvolvida dentre os movimentos feministas. Trabalhamos com a idéia de que todos os jovens estão sujeitos a direitos e são autores de suas próprias idéias. A diversidade enriquece o feminismo, então para falar da juventude é importante incluir o feminismo e seus projetos de transformação social. Mas deve ser um diálogo franco, aberto e de sensibilidade cultural. Para jovens feministas, tal diálogo presume que deixemos de lado o lugar onde só o igual fala e que só existe entre pessoas iguais, e não dialogar com outras identidades ou com aqueles que têm dúvidas. Temos no campo do feminismo verdades absolutas para construir novos conhecimentos e novas relações feministas. Nós da Jovens Feministas de São Paulo acreditamos que o feminismo de jovens mulheres na América Latina é forte porque ele propõe trabalhar com as seguintes idéias: Promover o diálogo e a discussão inter-geracional: - Se distanciar de particularidades dentro do feminismo, de teorizar e trabalhar coletivamente com jovens feministas; - Escrever nossa própria história e mostrar nosso modo de interagir com outros; - Promover o diálogo entre homens e mulheres jovens sobre o feminismo, masculinidade, saúde e sexualidade; - construir discussões sobre identidade co-responsáveis e feminismo e promover o diálogo entre identidades diferentes; - Refletir sobre nossas utopias e não responder simplesmente a perguntas antigas com respostas novas. Quem sabe – podemos criar novas perguntas que ainda não tenham respostas! Os grupos que consideramos ser bons exemplos incluem: - Jovens Feministas de SP – Brasil - Elige – México - Las Ramonas – Paraguai - REDLAC – AL - Articulação de Mulheres Jovens, trabalhando na América Latina e Caribe para os Direitos Humanos e Cidadania (AMJ) - Mulheres Jovens Negras Ativas – Brasil - Coletivo Feminista para Jovens – Brasil - Incide Joven – Guatemala - Mizangas – Uruguai - Coordenação de Jovens – Chile - Coordenação Juvenil - Equador Quais são as realidades das jovens na América Latina e as necessidades dos movimentos de jovens feministas? AA: esta é uma questão muito complexa de responder. Acredito que posso focar de duas maneiras: 1) Qual é o contexto das mulheres jovens na América Latina 2) Quais são as necessidades dos movimentos de jovens feministas Em relação ao contexto, acredito que podemos enfatizar que muitas jovens sofrem violações de seus direitos. Em muitos países, o aborto PE considerado um crime e isto afeta diretamente à mulheres jovens. O avanço do fundamentalismo é visível em muitas regiões do nosso país. Um exemplo: no Brasil existem mais de 42 propostas em processo no congresso sobre a questão do aborto, sendo que 31 delas sugerem a inclusão do aborto como sendo um crime. A lei atual do Brasil garante o aborto em casos de estupro e perigo de vida da mãe, no entanto, muitas propostas que estão no congresso hoje querem banir o aborto até mesmo nestas circunstâncias. Hoje sabemos que no Brasil, a maioria das mulheres que morrem decorrentes de um aborto inseguro são pobres, negras e jovens. Portanto, a onda fundamentalista que invadiu o país e conseqüentemente a América Latina é um contratempo para todas as jovens da região. Além deste ponto, devemos enfatizar o tema da violência contra as mulheres, especialmente a violência sexual, que nos atinge diretamente. Existem outras questões como emprego, educação, a luta por uma vida sem violência, etc. Em relação às necessidades dos movimentos de jovens feministas. Podemos dizer que os temas principais são: como intervir na formulação de políticas públicas, como obter recurso financeiro para projetos de empoderamento dos jovens e implementação de intervenções. Além disso, temos a necessidade de redesenhar os espaços do movimento distanciando do adulto-centrismo. É importante para jovens feministas construir um diálogo com diferentes movimentos, com ênfase na reaproximação com os movimentos de jovens. Para concluir, eu acredito que declaração da identidade das jovens feministas foi associada com o processo de empoderamento dos movimentos de jovens. Nos anos 90 e ano 2000, houve uma emergência concomitante de grupos de jovens feministas e o surgimento de grupos de jovens que discutiam políticas públicas de/para/com jovens. Isso faz muita diferença a organização e mobilização de jovens feministas. Então falar de políticas públicas para jovens é pensar na complexidade de tais políticas – elas criam a base de novos parâmetros, que envolve a reconfiguração do papel do Estado e da sociedade. Isto é tudo sobre o fato de que mulheres jovens também estão na arena de políticas públicas para jovens com temas ainda pouco discutidos neste espaço, como saúde e sexualidade, desigualdade de gênero, direitos sexuais e reprodutivos, que estão interligados ao movimento feminista. Nós escolhemos o caminho da intersecção do feminismo e da juventude como marcha para transformação social. « return. |